Resquícios de romantismo

–Eu tava usando uma camisa escrito “ai de mim que sou moderna”

–Logo você, que é romântica!

–TOTALMENTE, LUCAS! Mas enfim… Eu tava usando essa camisa lá na biblioteca do campus, foi na época do mestrado. Eu tinha pego uns livros aleatórios na biblioteca, tava atrasada pra aula e tinha puxado etc.

–A vida de uma mestranda

–Ai, desculpa a história sem graça, amigo. Cê deve ter mais que fazer do que ficar me ouvindo

–Nada, Alice. Eu adoro suas histórias. Mesmo. Amo ficar ouvindo sua voz até dormir.

–Então… continuando, eu tava usando uma camisa que fazia referência ao modernismo e tinha pego um livro do Mário

–Que Mário?

–Eu te amo, Lucas

–É sério. O Quintana faz parte do modernismo?

–Ah faz! Mas era algum de poesias do Andrade mesmo. Acho que aquele Pauliceia Desvairada. Nem terminei de ler, tenho preconceito com São Paulo

–Com razão

–Já me perdi de novo na história

–São muitos parênteses…

–Ai… Um menino começou a conversar comigo na fila. Elogiou a camisa, falou que também curtia modernismo e perguntou se eu gostava de Mário

–E você perguntou “que Mário?”

–Eu falei que gostava muito do conto sobre o peru dele

–OI???

–É um conto sobre a figura paterna… Esse carinha chegou em mim, elogiou a camisa, disse que legal os livros que eu tava pegando. Tinha livro sobre criação do SUS, acho que tinha Foucault também e a bendita Pauliceia Desvairada. Totalmente aleatória. O cara começou a se apresentar pra mim, era coisa tipo quarto ou quinto período de publicidade

–POUTS

–Exato! Ele ficou falando que já me viu no departamento, meu cabelo era lindo… Perguntou o que eu fazia e eu “cinema”…  

–Mestrado em cinema

–DETALHES! Eu só queria arrumar uns beijinhos depois da aula. Ele também iria para o departamento fomos juntos. Eu tava com pressa fui meio correndo, mas ele era mais alto que eu e ia só… Normal. Eu sou muito detalhista

–Nem parece que nunca leu Stephen King

–Mas eu lia muito Poe

–Ai de você que é romântica

–Trocamos telefones e tal. Ele sempre me mandava umas mensagens e a gente conversava bastante. Até que começou. Demorou um mês, mas começou.

–Você já tinha beijado ele?

–Ah horrores! Fomos até para calourada juntos… Ele vinha me falar feliz que tinha lido um conto do Mário de Andrade. Ele comprou um bocado de coisa do Mário. E vinha falar comigo que tinha lido. E eu ficava “tá legal” e ouvia a indicação dele, dizia que ia ler depois. Um depois que nunca veio.

–Ele devia tá apaixonado

–Era melhor atravessar o país para me ver defender a tese de doutorado

–Eu queria dançar…

–Achei que fosse me pedir em casamento

–Você aceitaria?

–Imagina casar com um cara que conheci dois meses antes num bar em Cuiabá

–O que é o casamento se não ligar quase todas as noites para falar bobagens?

–Aham… E o menino lá desistiu de mim depois de um tempo. Eu também tava com preguiça de fingir que iria ler Mário. E o livro acabei pagando multa por esquecer de devolver e só li 3 poesias chatas.

–Foucault você leu?

–Sendo bem sincera com você…

–Leu, né?

–É.